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29.2.20

A 180SS do Carlos


O Carlos tinha uma SS. O Carlos vendeu a SS. O Carlos ficou triste por ter vendido a SS. O Carlos procurou outra SS. O Carlos encontrou outra SS.
 

No entanto, a passagem do tempo não tinha sido meiga para com esta espevitada motoreta transalpina, que se apresentava com a mecânica delapidada e o corpo putrefacto.


A chapa estava podre no chão, como é comum, e noutros sítios invulgares como por baixo da torneira e no fundo do porta-luvas. As alhetas do balon direito necessitavam substituição e os punhos estavam irredutivelmente colados ao guiador. Tudo isto foi reparado mas teve-se o cuidado de preservar ao máximo a pintura para propiciar um aspecto final muito particular.
 

A mecânica foi outra cordilheira montanhosa a transpor. A forqueta sofreu uma revisão completa e, na extremidade oposta, o motor exigia o mesmo. O Carlos tinha um motor de PX e um cilindro Pinasco 177 parados na prateleira, sobras de projectos passados, e estes foram rapidamente recrutados para substituírem o propulsor original.
 

Nenhuma modificação foi feita à SS para montar o motor novo e até a admissão de ar original da 180 foi mantida inalterada; o motor correcto está guardado e poderá ser remontado no futuro sem restar prova da sua ausência temporária.

 

O motor novo foi presenteado com um carburador 24, e com um veio do kicks diferente para poder receber um kicks dos anos 60 condizente à idade do veículo. Não serão necessários dotes de observação extraordinários para reparar no escape de rendimento e no amortecedor traseiro "rátátá" adicionados.


Vários outros componentes estão alinhados ligeiramente à esquerda do regulamentar, resultando numa scooter com um carácter único, meio vintage com um toque customizado. A pintura coçada com as suas reparações reluzentes seladas com verniz mate e as rodas originais em preto fosco adicionam ainda uma vibração "rat" a esta receita já de si exótica.

 

Temos assim um modelo icónico da casa de Pontedera não restaurado mas totalmente usável. Mantém muito da sua personalidade de clássico mas salpicado com toques personalizados que farão o Carlos sentir que esta é a "sua" Vespa. Melhor ainda, esta SS é uma machadada gloriosa na mentalidade do restauro automático e na ilusão colectiva de que o reluzente é que é bom.


Aprendamos a apreciar as Vespas coçadas e com patine e renunciemos aos falsos deuses da pintura fresca e dos cromados perfeitos. Ide rolar, meus filhos.


Este recomissionamento foi realizado na Oficina 240. As fotos são da autoria de Miguel Proença, e foram aqui reproduzidas com permissão.